Apresentação

Autores

  • María Cristina Ventura PUC/PR
  • José Ademar Kaefer PUC/PR

Resumo

María Cristina Ventura Tradução: José Ademar Kaefer Apresentação   Recuerdo los sonidos del tambor, en las noches, parecían retumbar en el cielo. Hubo celebración en algún lugar, comentó mi madre al día siguiente en la mañana. Sonaron hasta el amanecer. María Cristina (Tirsa), 2024     Este número da RIBLA coincide com sons ancestrais, mas também com lembranças, dores, curas, palavras negadas e reveladoras, nem tão antigas. Tudo em uma só frase, em uma só tentativa. Não foi fácil. Surgiu, parece, com o entusiasmo, gerado pela energia por estarmos juntas e juntos de novo, depois de muito tempo, sem se nos tocar, sem nos olhar nos olhos. A proposta tenta desafiar práticas e discursos monoteístas, patriarcais, colonialistas, machistas, racistas. Mas, sobretudo, o desejo de revelar outras formas de viver e expressar o sagrado. É o momento das deusas, das bruxas, feiticeiras, profetisas, proibidas, escondidas. Elas ressurgem de longe, conspiram, revelam sons, memórias, sabedoria. Mas, acima de tudo, libertação e justiça.             Como outras edições da RIBLA, a jornada tem sido dentro do possível, sempre com a esperança de fazer o melhor, para nos servir no processo de continuar a tecer uma forma de ler textos da Bíblia e fora dela, que nos permitam descobrir práticas religiosas e políticas de mulheres, de deusas, de bruxas, avós, antigas e novas.             Por isso, Nancy Cardoso introduz este número com seu texto De instantes e anomalias: por uma historiografia de deusas, bruxas e profetisas, uma análise sobre a antiga e nova história do imaginário de práticas religiosas de mulheres desacreditadas e perseguidas na Bíblia e no contexto da América Latina e do Caribe. Para isso, ela nos convida a prestar atenção às fissuras bíblicas e às realidades fora da Bíblia, para de aí deixar entrar a luz e, sobretudo, recriar os instantes e anomalias em diálogo com bruxas, deusas e profetisas de nossos tempos.             Sabiduría Femenina - La Diosa Maat en Hochmah israelita, Sophía cristiana y Naná Burukú yoruba é o segundo artigo, com o qual Maricel Mena e Nathália Montezuma, revelam o poder do sacerdócio feminino. Usando a metodologia da religião comparada, as autoras colocam a deusa Maat em diálogo com entidades sagradas das tradições sapienciais, como a Hochmah israelita, a Sophia cristã e Naná Burukú yoruba. Este é exatamente o desafio desta edição da RIBLA, a busca por imagens de mulheres que foram invisibilizadas na história da religião. Trata-se da busca por um diálogo que não esquece as realidades violentas, como os crimes de ódio contra mulheres negras em nosso tempo. De aí que as autoras da Maat apelam ao reconhecimento da sabedoria feminina negra para questionar e demolir comportamentos que geram silenciamento.             Marisa Martins Furlan partilha conosco o artigo Anat - A deusa guerreira: A deidade como símbolo cultural de resistência e força do Panteão Ugarítico, através do qual explora a mitologia do Antigo Oriente Próximo, em particular da civilização cananeia. O artigo reconhece o impacto que exercem os mitos sobre a imaginação humana, bem como a importância que eles têm para a compreensão ampla das sociedades do passado, a fim de valorizar a riqueza e diversidade do patrimônio cultural humano. Tito isso, a autora nos convida a conhecer a poderosa mensagem de empoderamento feminino, coragem e proteção que envolve a figura de Anat. Uma divindade popular, não só entre os cananeus, mas possivelmente também entre os egípcios. Anat, deusa guerreira, símbolo de luta e resistência, serve de inspiração para as mulheres em muitas partes do mundo.             Astarot/Astaret en Canaán y el Antiguo Cercano Oriente: la desconocida, pero conocida identidad de una diosa  – Neste artigo, Aquiles Ernesto Martinez, analisando os textos da Bíblia Hebraica, bem como à luz de evidências textuais, epigráficas e iconográficas do Antigo Oriente Próximo, revela uma intensa e patriarcal predileção pelo monoteísmo. Em contrapartida, uma violenta rejeição do politeísmo e uma repressão ao aspecto feminino da religião. A deusa chamada Astarot (em sua forma plural) e Astaret (no singular) segue em importância a proeminente Asherah. O autor ressalta que a Bíblia Hebraica nos fala sobre essa deusa, mas de uma maneira muito geral e dentro de um contexto de luta religioso-cultural e até mesmo com certa confusão linguística. Além disso, ao contrário do que acontece com outras divindades, a oposição a Astaroth/Astaret e a proibição de seu culto carecem de detalhes na Bíblia hebraica. Na literatura secundária Astarot/Astaret aparece claramente como a deusa da fertilidade, da guerra, do amor e de outros atributos. Ainda assim, há muito que conhecer desta divindade.             Silas Klein Cardoso, com o artigo As formas das deusas da antiga Palestina/Israel: padrões de representação iconográfica de deusas no Período do Ferro apresenta as diferentes áreas de atuação das deusas. O autor mostra duas das principais tensões hermenêuticas dos estudos das deusas: a conceituação do “feminino” e a conceituação do "divino". Esses conceitos estão baseados numa visão geral dos padrões da representação iconográfica das deusas do Levante Sul do período do Ferro I-III. Silas aponta que um problema comum é a redução do feminino a um único e inequívoco estereótipo. Em contrapartida, o autor ressalta que "sempre houve mais de um conceito de 'feminilidade'. É de se entender desde sempre 'feminilidade', ou 'ser mulher' em aspectos muito diferente e parcialmente contraditórios." Da mesma forma, considera que não devemos assumir que padrões de representações divinas do passado ofereçam padrões de gênero supostamente "normativos".             Com 1Sm 28: Cinco leituras sobre um rei e uma necromante. Exercícios de hermenêutica rabínica e processo-relacional Lília Dias Marianno e Diego Raigorodsky oferecem duas perspectivas cooperantes, a hermenêutica rabínica e a hermenêutica processo-relacional. Apesar de 1Sm 28 já ser um texto muito estudado, porém, a partir desses dois pontos de vista, o texto cria novas perspectivas. A autora e o autor partem do reconhecimento de que profetisas e feiticeiras não eram personagens muito diferentes no antigo Israel. Ambos nos levam, através das propostas de análise, a aprofundar os processos relacionais entre as pessoas presentes na narrativa. O objetivo é afirmar que as personagens permanecem abertas e nenhuma será satisfatoriamente respondida se não formos mais inclusivos das riquezas da interpretação rabínica.             Luigi Schiavo, em seu artigo “No dejarás vivir a la bruja” (Éxodo 22,17) - La difícil relación con lo diverso, critica o processo de demonização que termina no mandato de eliminação da bruxa. E propõe uma ética da diversidade, que se sustenta em outra proposta paradigmática, a partir da complexidade, da pluralidade e da inter-relacionalidade, onde a figura do outro se torna central por suas diversidades e pela possibilidade de fazer surgir algo novo. Para tanto, apresenta-nos uma análise da magia nas civilizações do Oriente Médio, entre elas, no antigo Israel. Assim como a relação entre magia e bruxaria, uma prática perseguida a quem a pratica. O autor alega que uma mulher, para o simples fato de ser mulher, pior se for estrangeira e conhecedora das artes mágicas, torna-se um terrível câncer na sociedade judaica patriarcal, controlada pelos sacerdotes. Isso o leva a apelar para uma ética da diversidade.             Silvia Regina de Lima Silva, com seu artigo La “bruja” que nos habita: lectura afrolatinoamericana de la Mujer Sabia de Endor (I Samuel 28:3-25) e através da história de Luiza Pinta em seu trabalho como curandeira e cuidadora, aproxima-nos à cartomante de Endor. A autora faz isso a partir da visão das mulheres afrodescendentes. No movimento e no diálogo, entre vidas, textos, histórias, busca-se desconstruir imaginários que reforçam visões racistas da África como terra de feitiços e bruxarias. Esses mesmos imaginários, que discriminam socialmente mulheres afrodescendentes, são reforçados por leituras bíblicas racistas e patriarcais. A autora destaca que através das histórias da mulher cartomante de Endor e de Luzia Pinta, encontramos a ação de uma religião oficial, que condena a presença de cartomantes e necromantes no meio do povo, expulsando-as.             O artigo Prostitutas ou Sagradas? A classe sacerdotal qədēšâ na Bíblia Hebraica, de Sue'Hellen Monteiro de Matos, levanta a discussão sobre as traduções do termo hebraico qədēšâ e suas inflexões para compreender a classe sacerdotal mencionada nos textos da Bíblia hebraica. A autora afirma que o desempenho cúltico das mulheres em textos da Bíblia hebraica raramente é explicitamente evidenciado. No entanto, mulheres israelitas e judaítas participavam, em termos de música, de vários rituais do ciclo da vida. Após uma análise exaustiva das fontes, a autora conclui que é possível afirmar que qədēšâ "sagrado" designa uma classe de mulheres do antigo Israel e da antiga Judá, que estavam engajadas no culto, mas suas funções cultuais específicas são desconhecidas. Marli Wandermurem, com seu artigo Mestra de feitiçaria de graça primorosa: Análise do discurso na poesia de Nahum 3,4-6 analisa a construção da retórica profética exemplificada em Naum. Marli mostra como o discurso do profeta usa a feminização de forma simbólica da capital do império para justificar o estupro. A partir de uma análise literária do texto, a autora afirma que a feminização de Nínive representa a exigência do mundo patriarcal controlador das ações de empoderamento das mulheres, infligidas como prostitutas, que têm habilidades na arte da feitiçaria e, por isso, são violentamente condenadas. María Cristina Ventura (Tirsa), em seu artigo ¿Dónde están las hechiceras y su diosa? Una mirada crítica a Isaías 57 e motivada por suas próprias experiências culturais, pergunta-se pelas feiticeiras e convida a ler os textos bíblicos levando em conta as diferentes dimensões da violência contra as mulheres. Tirsa desvela que os qualificativos de feiticeira, adúltera, prostituta, fazem parte de um projeto de dominação monoteísta e colonial, usado para tornar as mulheres invisíveis, degradá-las, marginalizá-las e desempoderá-las, a elas e a seus filhos. Além disso, as ações realizadas pelas mulheres deixam de ser consideradas negativas para serem vistas como normais quando são realizadas por determinados personagens, mesmo que seja o próprio deus. Diante dessa realidade, a autora afirma que a própria deusa mãe é expropriada de suas ações e saberes.             Carmiña Navia Velasco nos leva ao mundo do Segundo Testamento. Com o texto Maria de Magdala, testemunha e profeta ela constata a estranha atração que Maria Madalena despertou nos imaginários populares de todos os tempos. A autora afirma que nos textos bíblicos canônicos e não canônicos há dados suficientes para traçar uma figura crível e plausível, com rasgos muito precisos. Diante de Maria Madalena, uma mulher forte nos relatos da vida de Jesus de Nazaré, não se pode ficar indiferente. Talvez por isso mesmo seu nome tenha chamado tanto a atenção. Carminha ressalta que Maria Madalena foi a primeira testemunha da ressurreição de Jesus. Uma mulher polifacética que deixou uma marca profunda entre seus contemporâneos e contemporâneas. Uma mulher cuidadora, como tantas no seu tempo e através da história. A jornada de recriar instantes e anomalias em diálogo com bruxas, deusas e profetisas de histórias antigas, certamente nos conduziu ao nosso tempo, como profetizado por Nancy Cardoso, em seu artigo introdutório. E para encerrar, o artigo Las profetisas de Sepur Zarco: memoria y justicia de Gabriela Miranda García para nos lembrar que a profecia das mulheres também é feito de outras formas e lugares. Em específico, o lugar da força da denúncia das mulheres de Sepur Zarco. São mulheres de hoje, que alentam com a sua coragem à esperança e nos obrigam a manter uma política pelo direito de contar nossa própria história. À profecia dessas mulheres, a autora a compara com a profecia bíblica, que trata de uma parte da história do povo de Israel do Antigo Testamento. Já lá se desenha um  movimento de denúncia e rebeldia das mulheres. Que nos orientem as AS DEUSAS, BRUXAS E PROFETISAS!

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Publicado

2024-05-23